16/05/2006


Se o seu tempo for
só de um segundo
será nele
que inventarei a eternidade

David, Miguel, Gabriel e Cleo
- De onde vens David?
- De nenhures onde a água, o ar, o fogo e a terra são um só
- Não me levas contigo, neste desejo que não controlo de existir mais um pouco em ti?
- Cuidado Ana. Vomitas as palavras. Nada tem consistência.
Perco-me neste dedo que apontas. Tão docemente fala teu corpo quando se entrega.
- Depois de tanto caminho, amigo te encontro. Alter ego? Espelho desse amor com que desenhas amizade
- Estavas pronta Ana
No regresso de São Tomé nos cruzámos. Na véspera de o conhecer sonhei com suas mãos inquietas. Depois ... Ah, que interessa isso agora?
- David vens cá ver o filme?
- Não sei
- Porque foges?
- Porque é assim
- E não queres que te leve...
- Obrigado, hoje não
Depois que Gabriel saiu de casa o pretexto do encontro era o supermercado. Agora com David é a boleia.
Porque será que os meus encontros só se fazem nos intervalos?
- David? Vens comigo a São Tomé? Podes desejar Cleo, amar todas as muheres. De ti, amigo basta-me o teu olhar.
Nas boleias nem sempre fazemos o mesmo caminho. Quando nos encontramos, mesmo que seja num breve momento, sorrimos.
David sonha com Cleo em pijama. Eu sonho com ele na cama.
Desde que regressei da ilha que tenho uma febre intermitente. De noite acordo e ardo. Nessas horas vale a pena escrever. David me inspira, Miguel reaparece. David pede acção. Cleo reclama:
- Viva Ana, viva. Você é o máximo!
Miguel tem um sorriso maroto. Amigo de longa data de David. Carinhoso diz coisas que gosto de ouvir. Não me aponta o dedo como David. Amo os dois.
Com David veio Violeta, Joana, Miguel. No sótão de minha casa selámos a amizade num abraço apertado. Todos mais jovens que eu.
Meus novos amigos, à excepção de David e Miguel, estão longe dos 40. Acho que nem tem idade. São os novos mutantes.
Sempre sonhei ser uma borboleta. Nascer e morrer num dia. Entre nascer e morrer – mudar. Antes voar.
No caminho para Lisboa, Miguel me diz:
- Já não precisas de respirar o outro Ana
- ...
- Estás mudada. Escreve teu livro
- Será que não me perco?
- ...
Miguel é como Cleo, de repente sai do espaço. Mas em Miguel não há como desligar o modem. Ele se recolhe noutra dimensão. Onde habita o silêncio – profundo.
Tento acompanhar. Em busca dessa paz. Na face de Miguel se desenha um sorriso delicado que há de permanecer pelo tempo em que está ausente.
- Concentra-te na respiração. E nota. Se for um pensamento, nota. Regressa à respiração...
- Gabriel teve um ataque..
- ...
- Apenas um ataque. Já não me incomoda. Notei e larguei.
- Medita amiga. És muito bonita.
Foi com Gabriel, David e Miguel que aprendi como é bom amar em liberdade. Tento explicar isso a Cleo. Não consigo. Ela me fala em conversas de aranha.
Cleo está longe de novo. Foi visitar a familia ao Brasil. Nos falamos todos os dias na net. Tento insistir na conversa da posse. Mas Cleo hoje não se acerta.
Resolvo então escrever uma declaração de amor. Cabe num A4. Dobro nesse papel um passarinho de origami. Coloco num envelope. Envio por via postal. Como se fazia antigamente. Minha carta há-de chegar um dia.
Se Cleo for capaz de desdobrar meu passarinho, sem o rasgar, vai descobrir como é o meu amor. Se tiver paciência vai me entender.

Declaração de amor
Meu amor é como o coelho que se escapa no campo. A borboleta que ama – morre e renasce. O sol sempre diferente todos os dias - aquece. A norte é nascente, a sul poente. Minha flor de laranjeira.
É a neve que se esvai – ora água do rio em que navego. Quando está, ele é o presente - encontro. Esse amor que todos ama porque é ele em cada um. Espelho do universo.
Vou ser um esquilo na vida que há de vir... queres uma noz, amiga?
A memória ainda tão presente dos corpos que se descobrem. Da palavra que se cala nos lábios que se colam.
Quero minha cabeça em seus braços, paro o relógio deixo que o tempo se ausente.
Se me for dado somente um minuto, não lamento. Penso nele devagar quando me beija a boca, a coxa entreaberta, a púbis. Quando me beija por dentro. Sou a puta da esquina, sou a virgem Maria.
Se o seu tempo for só de um segundo será nele que inventarei a eternidade.
É assim que o amo. Não me importa se no minuto seguinte já não está comigo. Ele é o homem que amo.
Se o seu tempo for de um compasso, que ele seja de pausa, porque urge o silêncio. Se for um desenho que ele seja branco – tão intenso o que sinto.
Se tiver de ser escrito, então Cleo minha doce amiga, explique ao leitor porque me ausento. Explique a quem nunca viveu no trapézio como de um gesto em falso se morre em cena.
Me resguardo porque é em segredo que vivo este momento.
Eterno é o momento quando ele me beija por dentro.
David, Miguel meus novos amigos – pedaços do que sou agora.
Gabriel! Qual é a cor do teu sol quando viajas?

1 comentário:

  1. Muito lindo, linda.
    Deve mesmo ser tudo isto, deve mesmo ser uma montanha, um lago, um rio, o mar. é concerteza água.
    Para mim é sempre um imprevisto, de alegrias e de mágoas.
    não se seria um passaro dentro de um envelope, mas por vezes sinto que conseguia ser livre dentro de uma gaiola, se lá dentro conseguisse estar comigo.
    aqui, supostamente fora da gaiola, tenho dificuldade em me encontrar.
    Um Beijo Grande.
    LuisElMau

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