16/05/2006


Amo Cleo.
Perto ou longe,
viveremos juntas
para além da eternidade





Cleo
Mais um fim de semana que passou. Sábado, Domingo e jornais. A Primavera está quase. Duas folhas escritas. As outras continuam brancas – bonitas.
Quando escrevo quero ser pianista, feito a minha mãe. Até hoje me lembro do seu piano de cauda.
Um e pausa. Dois – estás fora do compasso. Ora me apresso, ora me esqueço. Nada a fazer. A música está dentro do corpo – amarrada. Um dia vou tentar dançar o tango. Mas só o aprendo em Buenos Aires.
Hesito no texto. Vuelvo ao Sur. Mas que arrogância!
Tenho de mostrar a Cleo. Ela sempre me diz a verdade.
- Gostei. Mas tem de ser trabalhado. Muito, muito confuso
Irritada finjo que aceito. Esboço um mas. A inteligência me aconselha a recuar. Assim deixo que o tempo passe. Uns cinco minutos. Depois volto ao texto. Afinal talvez Cleo esteja certa. Apagar, cortar, tudo no lixo!
Meu professor de desenho disse que a borracha está proibida. Não se pode errar. Corrigir só por cima, tateando o erro vezes sem conta com paciência. Com delicadeza. Modelando devagar, afagando o erro. Pronto, já está.
Não seria mais fácil ter acertado logo no início?
Cleo veio de Singapura. Lá no Oriente uma bruxinha estimou seu futuro. Outro amor em outro mar.
Encontrou-me desfeita. Todos os dias acordava a chorar. Todas as noites me despedia da vida. Cleo sucumbia comigo.
Nos despedimos tão tristes, tão doentes! Cleo partiu para África – outro mar.
Naquela terra quente. Suada. Cleo por fim respirou.
Menina mulher, neta de índia. Cabelos pretos, Tenho a certeza que Cleo foi noutra vida Valentina – heroína de uma banda desenhada de Crepax.
David sonha com ela de pijama. Com escárnio Cleo se vinga dos homens todo santo dia.
Amo Cleo. Perto ou longe, viveremos juntas para além da eternidade.
De longe ela me adivinha. Quando a crise tocou na minha campainha, abri a porta. Ofereci hospedagem. Nesse dia deixei de dormir.
Passado um ano da partida de Gabriel, em Dezembro, me visitou. Tínhamos prometido festa. Mas desta vez era Cleo que chorava. A festa vai ser feita um dia.
- Que saco! O I não me liga, o D me atormenta, a G se rebola, o J não me esquece...Porra Ana que fizemos nós da vida?
Antes de responder me concentro nas letras. Cleo inventa a lingua. A G. é uma transformista, J todos os homens feito José, D Deus esperando ser cruxificado, e por fim I. é seu vício de todos os dias - esse é um segredo que levo para cova. Mas de todos o mais louco. Se Cleo fosse Valentina ele seria D’Artanghan.
- Cleo que desespero! Dê nome aos nomes!
- Para quê? Basta que eu saiba
Levantou o queixo, olhou e caiu na gargalhada. Mas seus amores, amantes, amigos, continuarão a ser conhecidos pelas siglas, pelos códigos que Cleo invento
- Olha como vai a G?
- Nem por isso o D a destratou, o I se enrolou na cama com a M, levou um soco do R
- Mas e o B?
- Ah esse se casou com a C
- A sério?
- Tu os conheces, tenho certeza
- Quem?
- o B e a C
- ah pois ...o B e a C...Quem não conhece, não é?
- Ana ninguém conversa assim. Me desculpe
- Converso eu na tua lingua inventada. Ninguém me entende mas que interessa?
- Te amo Ana
- Te amo Cleo.
Amiga, amiga, amiga - sempre.

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