Quando me casei bastou um abraço e um beijo melado, promessa de amor. Não havia notários, nem padres para selarem as juras eternas segredadas na cama.
Venho de um lugar desconhecido – tão sonhado que acredito verdade.
Venho de um lugar que abraça o trabalho como se abraça um filho. Sem horas não bato o ponto – danço a cada encontro. Sem dinheiro compro a maçã no lugar do Senhor João. Sem cerimonia dou em troca o que sei fazer.
Sem horas trabalho sem dar conta da hora.
Venho doutras paragens. Não sei de cor a conta da luz, nem a do gas. Sequer sei a conta da água. Na mercearia me espanto, no supermercado sucumbo. Na esquina me amasso contra o vizinho apressado. No trabalho o chefe me ensurdece com a pergunta:
- Quantos 500 vale o teu trabalho?
Não faço ideia se muitos ou poucos. Não me lembro quantas de mim fui eu na troca da maçã.
- Quantos 500 pagam o teu aluguel? E a tua comida? E a escola do teu filho?
- Somam esses tantos 500...
- O teu salário não vale um quinto desses 500!
Venho de um lugar que não sabe responder quantos 500 são precisos para se viver com dignidade.
Venho de outras paragens – de um lugar desconhecido. Quem sabe sonhado.
Mesmo junto do coração.
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