16/05/2006

Distraida fui vivendo
a rotina da sopa ao jantar







Gabriel
Esperámos mais de uma hora para ver Frida Kahlo. Como é possível que de repente Frida seja tão popular?
Rodeada de amigos Justine aproveita a fila em divertida conversa.
Por cinco euros apenas, além de Frida ganhei o sorriso de JAcinto o escritor amigo de Justine.
Poucos quadros, algumas fotos a lembrar que Frida existe. Trotsky também. Afinal – passado!
Nos Pasteis de Belém completamos essa tarde de Domingo.
Miguel pede um prego. O empregado de mesa diz:
- Não fazemos...
- Ora essa! Fazem o quê?
- Pastéis de nata...
- Hm, hm... Então que venham os pastéis. Chá e chocolate...
O sal vira açúcar. O paladar procura na memória o ácido adequado para receber o prazer da nata.
Justine sorri carinhosamente:
- Ana você só vai viver quando conseguir mandar ele à merda!
- ....
- Que história é essa de premiar que ele saia de casa?
- ...
- Nunca vi isso! Só falta você ainda dizer obrigada...
Cleo me ajude, venha em meu socorro. Explique a eles que você conhece tão bem que esse amor vive para além de mim. Alguém o desenhou, ganhou forma, cor, textura. Diga que ele é o esboço da vida...
Viajo no espaço. Viajo no tempo. Com Alfredo, Manuel, Gaspar, Fulano, Sicrano também fui feliz. São assim meus amigos. Nos embrulhamos na cama, rimos, gozamos. Levantam os ferros, seguem a vida. Sigo a minha com Gabriel – sempre.
Um dia Gabriel tatuou o sol na omoplata. Feito um desenho de criança o sol sorriu de costas. Seu corpo ganhou uma vida que parecia esquecida.
Levantou o pé, deixou que a mão voasse sem nexo. O ventre acordou. Na face um sorriso feito desenho animado. Gabriel rebolou no vazio da sala. Uma pirueta marota – o passo trocado.
Distraida fui vivendo a rotina da sopa ao jantar.
Foi numa tarde de um domingo de Verão - enquanto eu me esquecia - que Gabriel anunciou:
- Vou-me embora amor...
- ...
- Viver o que resta...
- ....
Meu corpo gritou. Desafiou os carros na contra mão. Nada me matou. No horizonte o sol nas costas de Gabriel queimou meu olhar.
Cleo explique aos nossos amigos ... Não quero mais viajar na memória deste passado.
Miguel paga a conta. Entre abraços e sorrisos nos despedimos. Volto para casa. Da minha janela vejo o mar.
Em casa, na internet, procuro meu amigo Lauro. Escrevemos um conto. Será um conto? Acho que escrevemos a vida.
Haverá editor que publique?
Releio a escrita. Cheira a aniz. Lauro se perdeu no Carnaval. Não há quem o encontre!
Volto atrás. Minha mãe diz que minha escrita é um vomitório! Sofre quando lê.
Não me resta saída. A ficção se confunde nas entrelinhas de quem lê.
O sol nas costas de Gabriel ainda está vivo. Um dia, tenho a certeza vou saber de onde vem essa luz.

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