13/03/2013

Casamento

Ontem, a chuva esteve de acordo com a nossa discussão. Bastou-me um pequeno desacordo para afundar-me na cama. Uma pequena montanha de almofadas cobriu-me a face, na esperança de conseguir desaparecer por baixo da cambraia branca.  Era dia de pagar a renda e o compromisso obrigou-me a levantar-me da cama. Durante o caminho, perguntei-me como é que uma discussão pouco importante desencadeia esta tempestade. Lembrei-me do sorriso de Gabriel, a mostrar-me o outro lado da vida. Foi debaixo de chuva que cheguei à casa de Arthur, o meu senhorio. Coloquei uns óculos de sol, para que não visse os meus olhos inchados. apesar de não ter chorado.  Augusto diz que o meu choro é desafinado.
Foi Isabel quem me recebeu. A jovem esposa de Arthur, com um olhar tão triste quanto o meu. Tirei os óculos antes de me despedir. Como se fossemos amigas de longa data, demos um profundo e longo abraço.
O apartamento onde vivemos tornou-se pequeno. Um silêncio pesado ergueu-se no meio da sala, como se fosse uma escultura gigante. Branca, ocupa sem pudor o espaço onde sentamos quando chegamos cansados da rua. Uma estátua nos lembra de uma forma desavergonhada que a nossa discórdia ergue muros altos, sólidos, difíceis de serem derrubados.
Quando regressei, Augusto dormia no sofá um sono pesado. Estamos a envelhecer.  O nosso sono é feito de sobressaltos. Corri para o quarto tentando não fazer barulho.
Despi-me rapidamente. Hoje em dia o meu corpo reclama por liberdade, pede que a roupa seja pouca.  Augusto entrou no quarto. Sentou-se perto de mim. Colocou sua cabeça em meu ventre.
- Deixa-me entrar e ficar aqui quieto..
Na nossa juventude brincávamos que Augusto abria a minha barriga, entrava e lá viveria para sempre. Quando eu adoecesse ele poderia cuidar do meu corpo com maior precisão que qualquer médico doutorado. Por dentro de mim navegaria até que o dia determinasse a nossa partida.  Felizes, ríamos até adormecer.
Agora o riso era choro e Augusto num lamento seco, dizia:
- Deixa-me entrar e ficar aqui quieto..
Nas minhas mãos os cabelos grisalhos de Augusto lembram os meus disfarçados de ruivo.
Entre promessas e juras de amor, a nossa discórdia, sublinha o nosso pesar.
- Casa de novo comigo, Cleo
Estivemos separados por mais de uma década. Sempre tive a certeza de que ele era o homem da minha vida, por isso acreditei que um dia estaríamos juntos de novo.
- Casamos, Cleo?
Devagar encontramos a serenidade que um dia prometemos alcançar.
Quando regressares Gabriel, terei uma aliança no dedo.

Até lá o teu sorriso beija-me todas as manhãs.

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