18 de Julho 2009 - 1º dia em Jampaias
Acordei achando que o mundo ia acabar. Com a sensação de que perdia o futuro viajei ao passado mais distante na esperança de que quanto mais longe fosse, mais tempo teria para inventar o horizonte.
Por mais que me esforçasse meu corpo regressava ao presente tamanho era o medo da morte próxima. Injusto é o tempo quando nos deixa sem tempo. Injusta é a vida que nos apressa dia após dia.
Agora que se aproximava o fim, como esticar o tempo de forma a poder corrigir todos os erros? Como encontrar o tempo que se ausenta para que se viva tudo o que prometemos ser? Quem nos resgata do sonho de um dia somente ser? Se tivesse tempo para sentar talvez entendesse onde começou o fim.
Num tempo inventado que luta contra o tempo corrente, parti para Jampaias. Tinha prometido a mim mesma que desta vez encontraria a forma correcta de estar. Conseguir aceitar esse ser que se foi escapando da vida a cada segundo vivido.
Chego a Jampaias sem erro, venci o desafio de quem sempre se desviou do caminho. Abro o portão da herdade que tantas outras vezes me abrigou em silêncio e sinto um calor conhecido que abraça meu corpo como se abraçasse o mundo.
A casa que Helena me destinou tem várias janelas viradas para o campo. Aqui o tempo se alonga. Parece que vou ter tempo antes que o mundo se acabe.
Que haja manhã amanhã, que haja tempo de existir.
19 de Julho de 2009 – 2º dia em Jampaias
Uma noite a encontrar a cama, a cabeça a procura de conforto. O corpo a ser devorado pelos mosquitos. Distraída levo minha mão ao encontro do mosquito que me suga o sangue. A meio caminho paro, levanto-me da cama e fecho a janela.
Babu adivinha quando acordo. Abana o rabo, lambe minhas pernas como se me desse bom dia.
São sete horas. Sentada escuto a palestra de Ajahn Brahm no primeiro dia de retiro. A prática resulta quando estamos felizes sentados. Em seguida 45 minutos de Atenção Plena da Respiração.
Nove horas e vou tomar o café da manhã. Descanso em seguida, porque o corpo pede.
Onze horas e volto a sentar. 50 minutos de Metabavana acompanhada por Pauline Shield, monja theravada residente no mosteiro budista na Austrália. Meta para todos os seres.
Almoço e descanso novamente. Desta vez antes de adormecer leio novo capítulo do Caminho do Meio. Releio a fala correcta. Um arrepio viaja pela minha espinha. A fala que se perde pela necessidade de falar tem sido minha companheira nestes 5 últimos anos.
- “O teu modo é sempre a falar dos outros”, disse-me um amigo recentemente.
O meu modo - se o tempo for meu amigo e não antecipar o fim - é o que quero entender.
Em cada passo que dou em Jampaias sinto meus amigos de outros retiros. Este lugar guarda a memória do nosso estar. Coloco o pé na beira da piscina e meu corpo espontaneamente lembra da meditação a andar. Revejo o Pedro no lado direito, a Sónia quase a dançar, a Liliana que de tão subtil parece planar. E lá dentro, no Palheiro, em frente ao Buda, meus amigos estão sentados a meditar. É fácil chegar a Jampaias e sentar. Existe memória nesse existir.
20 minutos de meditação a andar e a mente viaja entre a tranquilidade e a agitação.
O corpo continua a pedir repouso e eu sem resistir me deixo adormecer.
As sete da tarde Helena convida-me para fazer um passeio. Vamos até a represa acompanhadas de todos os cães da herdade além de Babu.
Janto e em seguida sento. Ajahn Brahm sublinha a importância dos primeiros cinco minutos de prática. E é focada na respiração que atravesso uma hora e meia de meditação. Nada se compara a esse bem-estar da mente silenciosa.
Que haja amanhã. Que haja tempo para existir.
20 de Julho de 2009 – 3º dia em Jampaias
Adormeci a noite passada com os auscultadores nos ouvidos. Ajahn Brahm falava dos Janas, escutei a primeira palestra e fui acordando com a voz do monge de tempos a tempos. Meu corpo inchou com o veneno dos mosquitos. Sou um caroço gigante! Passei a noite agitada. Não quero outra coisa senão meditar, não quero ter expectativas quanto aos Janas. Tenho a sensação que durmo pouco. Quando acordo de vez as 8:00 hs tenho os olhos tão inchados que me custa abri-los. Sento-me 45 minutos antes do café da manha - atenção plena da respiração.
Noto como para mim se torna mais difícil sentar sem ter alguém a orientar a prática. E aqui em Jampaias, esse alguém é Ajahn Brahm. Pode ficar calado durante quase toda a prática, mas a sensação de o ter do outro lado a orientar para um grupo de pessoas inspira-me.
É assim que sinto com o Sagara. A conexão com outros seres ajuda-me a praticar.
Trouxe de casa papéis de origami, papeis para pintar, pincéis, tinta-da-china, lápis, carvão, uma mala de apoios! Todos estes objectos viajaram comigo nos outros retiros como aliados da minha resistência. Trazia-os como meus fiéis companheiros de mente. Agora que os tenho fisicamente em cima da mesa olho para eles sem nenhum interesse. Agora sinto-os como distracção a prática. Não cabem neste aqui e agora.
Em tudo esta viagem é diferente. Nem a dor, nem a memória do sofrimento passado aparecem. Quase que me esforço para que isso aconteça, porque não me reconheço nesse contentamento. Talvez porque saiba que o mundo está prestes a acabar, não consigo sair do presente. E este tempo revela-se tranquilo, carinhosamente preguiçoso. Se o mundo acabasse hoje, tive tempo de adivinhar como se pode ser feliz em silêncio.
Mas antes que acabe, o tempo que me resta pede comida. Porque trouxe o origami e esqueci-me de todos os outros mantimentos para viver o dia-a-dia, tenho de ir ao Cercal comprar água e pouca coisa mais.
Gastei mais em tinta-da-china do que gasto no supermercado. Em casa, olho para o frasco de tinta na estante e pergunto-me se ainda me restará tempo para mudar.
O sono é presente. Tento resistir pensando na noite. A verdade é que pouco importa se durmo de dia ou de noite, o corpo pede descanso. Parece que deixou de reconhecer o dia ou a noite. Estacionou na memória das noites inteiras a trabalhar e das manhãs a tentar dormir. Foram nessas horas perdidas que virei do avesso. Sempre a testar o limite da vida.
Distraída deixei-me ir. Um dia a casa caiu. Fiz o pino na esperança de respirar. Enfiei-me debaixo de mim esperando assustada que findasse a loucura.
Durante a sesta ouvi música, o único elo ao passado. Durante a sesta notei a memória a escapar-se, não querendo ir. Durante a sesta estive aqui presente, simplesmente notando uma dor que já não me pertence.
Fim de tarde vou a piscina. Levo comigo o Caminho do Meio. É com surpresa que vejo surgirem as primeiras resistências: o apego as sensações do corpo. Agora? Tento rever cada um dos meus actos, notar onde me deixei ir sem atenção. E antes que inicie o percurso da culpa – aceito.
Regresso a casa e sento. Hora e meia de Anapanassati. Hora e meia a ser devorada pelos mosquitos. Final da prática com as pernas feito um tijolo. Hora e meia com a mente silenciosa. Hora e meia de contentamento.
Que ainda haja manhã amanhã!
21 de Julho de 2009 - 4º dia em Jampaias
Antes de deitar escuto mais uma palestra. Não tenho outra alternativa a não ser tomar o anti-alérgico. O meu corpo reage intensamente ao veneno dos mosquitos. Adormeço com a cabeça pesada.
Acordo com dor de cabeça. Se trato do veneno, enveneno a cabeça com o remédio. Venha o diabo e escolha.
Já são oito e rumo a cozinha. A fome que é cada vez menor, agora se espreguiça com o tempo – uma coisa de cada vez num tempo que só conheço no Alentejo – devagar.
Tento encontrar a posição na almofada. A meio da prática tenho sempre as pernas dormentes. Penso que devo assumir que só consigo sentar na cadeira, e esse notar dá-me arrepios.
Deverei fazer uma cartase de forma a resolver de uma vez por todas esta briga inglória com a almofada? Quero me sentar como todos. Quieta na almofada. As pernas bem abertas, as costas altivas e com um sorriso na face. De outra forma terei de voltar a lidar com a diferença. Já me chega lidar com a altura – desde mini a banana nanica já me chamaram de tudo. Já me chega lidar com meu corpo em harmónio – umas vezes magra e outras gordas – desde redondinha a barrilzinho já me chamaram de tudo. É verdade que sempre de uma forma sorridente, que eu acredito carinhosa.
Assim passo uns 15 minutos a simular. Da cadeira para o chão. Do chão para a cama. E se em vez de uma, forem duas almofadas? Lembro de ter feito meu amigo rir com o trono que construí no meu primeiro retiro. Em nada serviu ter tantas almofadas. A luta era a mesma. Para além deste senão que é chamar a atenção para a minha dificuldade. Parece que lido bem com ela, o que não é verdade. E de cada vez que se fala num retiro sou lembrada no meu excesso. Rio sem vontade de rir, quase num apelo a notarem que desde esse dia melhorei a minha atitude. Um apelo silencioso para que notem como estou agora.
Resolvi fazer a guerra antes de sentar. Acabei sentando como sempre no chão com as pernas cruzadas. Mesmo que a memória do corpo me leve a dormência das pernas, outra me leva a paz que é estar sentada.
Com as pazes feitas com o zafu, sento-me. Ajahn Brahm fala da prática como se a mente fosse de férias. 45 minutos sentada com a mente descansada. É tão bom largar o pensamento que me distrai e voltar a respiração. Tão bom!
Vou para a piscina. Os cães resolveram fazer guarda a porta da minha casa. Também eles desconfiam que trago o fim do mundo. Não sei se me protegem ou se protegem este espaço da ignorância dos seus visitantes. Estou quase no fim do livro O Caminho do Meio. Ainda bem que estive no curso do Sagara porque esta recta final é difícil e precisa ser dissecada. Depois das aulas com o Sagara fica mais fácil esse trabalho.
Helena convida-me para a hidromassagem. Começo a pensar que esta estadia em nada se assemelha a um retiro. E no entanto deve ter sido a vez em que tenho meditado mais. Parece-me que nunca me apliquei com tamanho afinco como agora na prática.
Tenho meditado 3 a 4 vezes por dia, as praticas tem uma média de 45 minutos, a excepção da última que dura cerca de uma hora e meia. Nos intervalos, ouço as palestras de Ajahn Brahm, leio o Caminho do Meio, durmo, vou a piscina, passeio no campo e como. E o tempo se estica de forma que eu tenha tempo de tudo fazer.
Porque estou escrever este diário num computador ligado a internet, hoje recebi um email de uma pessoa que me foi muito querida no passado. De uma pessoa também que sem intenção magoou-me. Uma lista de sentimentos contraditórios me ligam a ela. Aqui em Jampaias lembrei-me dela na prática e voltei a focar a atenção na respiração. Escreveu-me a despedir-se e a tentar libertar-me de compromissos pendentes que ainda tínhamos as duas.
Fez questão de dar adeus. Eu respondi-lhe de alguma forma perturbada que quero abrir espaço ao presente e deixar que o passado repouse no lugar que lhe compete - passado.
Fui-me deitar. Na cama pensei que se estivesse mesmo a sério a fazer um retiro não seria importunada com nada para além do momento presente. A verdade é que tive de lidar com esta dificuldade, com um sofrimento que já não me pertence hoje. E esse notar fez-me lembrar o quanto também fui feliz no passado. A ela devo esse favor, porque essa memória tinha fugido de mim. Relembrar a felicidade sem apego, mas notando que ela também é verdade deixa-me mais inteira. Que seja essa lembrança inspiradora no presente.
22 de Julho de 2009 – 5º dia em Jampaias
Adormeci bem tarde. Afinal o desenho e o origami convidaram-me. Estive a desenhar como há muitos anos não fazia. Vi-me a juntar o origami e o desenho e estive assim por mais de três horas. Estive focada no que fazia, notando quando me distraia, notando quando eu era quase o papel. Depois larguei.
Deitada ouvi mais uma palestra de Ajahn Brahm. De manha meditei primeiro deitada e em seguida sentada sem o apoio da gravação. Meditei quase duas horas seguidas. Faz-me muita diferença começar a prática deitada.
Estou apaixonada pela meditação. Descobrir cada espaço antes secreto da nossa mente, notar como a mente se comporta perante a proximidade do não-eu, fugindo em busca do pensamento traz uma alegria inexplicável.
Vou tomar o café da manha, já são 10:25! Parece que o relógio biológico recomeçou a funcionar e meu corpo vai-se encontrando. Uma noite inteira sem ir a casa de banho. Uma noite inteira sem me lembrar de acordar com o meu ressonar. O tom da respiração é agora pausado. Se porventura sinto falta de ar, inspiro profundamente e expiro longamente. Vou aprendendo a respirar com cada parte do meu corpo. Se me dói a nuca é ai que respiro. Vou tomando consciência generosamente de cada pedaço de mim. Deste corpo que me incomoda na sua forma. Deste corpo que devo cuidar.
Antes de almoçar termino o origami que comecei ontem. Depois de algumas tentativas meio frustradas a tentar encontrar a forma, aproveito os papéis lindíssimos que o Tomás me deu na sua última visita a Lisboa. Estampas japonesas em tonalidades de azul. Fiz um cubo que se abre numa surpresa. Há sempre algo de surpreendente na vida. Com cuidado abre-se cada face do cubo que de tridimensional se transforma em seis faces planas. Nelas desenhei com tinta-da-china. Em uma das faces ergue-se uma montanha feita de papel. Mesmo no espaço mais simples pode haver caminho, às vezes tão perto de nós que não o descobrimos. Poderia ficar aqui encontrando vários significados para o meu brinquedo de papel. Sublinho dois que fizeram parte do processo: atenção e generosidade. O resultado parece-me ser bonito, mas essa é a parte menos importante.
Depois do almoço ameaço uma ida a piscina, um passeio pelo campo mas o calor está forte e eu fico-me por casa. Mais ao fim do dia sairei.
Assim escuto Ajahn Brahm, e uma coisa chama minha atenção. Diz Ajahn Brahm que devemos ver em toda a nossa experiência a natureza de Buda. Não rejeitar o que consideramos ser bom ou mau, estarmos em permanente abertura.
Lembrei-me de um workshop em que participei sobre comunicação não violenta. Pude notar como o Sagara esteve sempre em total abertura para com o facilitador e o conteúdo do workshop. Eu já tinha feito mil filmes entre a rejeição e a aceitação. Entre o gosto e não gosto. Sempre a escolher, sempre a discriminar. Ter partilhado da atitude do Sagara abriu meu coração a experiência. E assim pude desfrutar o ensinamento que me era proposto.
Estas sardas que se espalham pelo meu corpo fazem parte do meu todo. Não importa se gosto ou não delas – vivem comigo desde que me conheço. Em criança meus amiguinhos em Fortaleza diziam que eu devia lavar a cara com xixi para que elas desaparecessem. Entre a repulsa do xixi e a incerteza de não me reconhecer sem as sardas, para além de não ter fé no tratamento, acho que as interiorizei como fazendo parte do todo.
Ajahn Brahm ajudou-me com esta palestra a fazer as pazes com todas as coisas feias que fazem ou fizeram parte da minha vida. Quando me sento tranquiliza-me sentir que estou entre as coisas e não as escolho. Talvez seja esse o caminho do meio.
Sentada ou não vou tentando estar atenta. Escrever é um acto que me leva ao mais íntimo de mim. Para além de estar focada, cada vez mais sinto a necessidade de ser generosa com cada coisa que faço.
Nestes dias em que descansei fui aceitando a preguiça, fui notando a mente acusadora, um grilo falante verdinho a apontar o que eu devia ou não fazer. Se acordo cedo, é porque não aproveito esta facilidade de poder acordar mais tarde. Se não vou para piscina é porque não aproveito o tempo para nadar. Se me espreguiço por casa e não passeio é porque eu nunca soube aproveitar o tempo nem o espaço presente. Venho fazendo as pazes comigo e com o meu dedo acusador. O mundo está prestes a acabar e eu deixei de ter tempo para brigar comigo mesma.
Final da tarde passeio e sento perto da casa grande. Daqui vejo as arvores, sinto o cheiro da mata, ouço o vento de mansinho. Um sorriso invade minha face. Um sorriso que nasce sem esforço e toma conta de mim.
Aproximando-se o fim desta estadia os dias correm. Regressar a Lisboa é lidar com a ameaça do mundo com dias contados. Aqui em Jampaias vai havendo amanhã.
Ajahn Brahm fala sobre o perdão. Como perdoar alguém que já tanto errou? Ajahn Brahm responde: perdoando mais uma vez.
É tarde, já passa da meia-noite. Helena enviou-me um sms chamando-me a piscina as 8:30hs para tomar um suco. Estou sendo tão bem tratada. Olho ao redor e sinto-me em casa sem que nada me pertença. E nesse sentir dou conta de que pouco preciso para existir.
Antes de dormir vou meditar.
Que haja manhã amanhã. Que haja tempo de existir.
23 de Julho de 2009 – 6º dia em Jampaias
Passei uma noite agitada. Adormeci depois de meditar, mas dormi somente seis horas. Em Lisboa durmo menos que isso e as noites são todas inquietas. Compreendo agora que se me deitar cedo e dormir 8 horas repouso também a mente e as noites poderão ser menos agitadas. De facto ontem fiz mais coisas que simplesmente sentar. É interessante notar como o corpo vai ficando agitado e a mente começa a se distrair.
Cheguei atrasada a piscina e Helena também. As maçãs caem antes de ficarem maduras e Helena aproveita-as para fazer um suco. Assim tomei um belo suco de maçã, uvas e gengibre. Em seguida Helena convidou-me para ajudá-la na confecção de dois espantalhos. Os cabelos esvoaçantes dos bonecos foram feitos com fitas de cassetes de vídeo. Como brilham ao sol, os pássaros fogem. Comentei com Helena sobre a profusão de formigas. Ela contou-me que já as teve na sua cama e resolveu este incómodo assim: cozinhou batata-doce e colocou aos pés de sua cama. As formigas adoram batata-doce e Helena deixou de ser importunada. Não foi preciso matar nenhum bichinho, em vez disso alimentou-os. É fantástico como se encontram melhores soluções que a do veneno que mata tudo.
O meu café da manhã foi agora quase na hora do almoço. Será que já começo a ganhar o ritmo louco da cidade?
Vou sentar – já só faltam 2 dias para ir-me embora.
Meu coração aperta. Será que terei tempo de abraçar todos meus amigos antes que o mundo se finde?
Depois de meditar fui fazer uma mandala de origami, doze elementos compõem esta mandala, sempre os mesmos 17 movimentos até se juntarem numa única peca. Levo uma hora e meia a fazer a mandala. Uma hora e meia atenta ao que estou a fazer. Uma hora e meia em que conto de 1 a 12, devagar porque cada peca leva tempo a fazer. Um no começo da primeira peca, 2 no inicio da peca seguinte e por ai adiante até 12. Como se cada inspiração e expiração tivessem o tempo dos 17 movimentos. É interessante notar que o efeito de acalmar a mente é semelhante ao da atenção plena na respiração. Deixo de estar focada nas mãos e passo a estar focada no papel como se o sentisse como um prolongamento de mim. Parece-me um bom exercício para aprender a parar, um momento para não pensar.
Na piscina Helena empresta-me um repelente de mosquitos. O repelente tem cheiro de férias na Tailândia. É tão intensa a memória deste cheiro que por momentos na piscina confundo-me onde estou. Saudades da minha filha, companheira de viagem, companheira incomparável de vida.
Pouco tenho aproveitado pouco a piscina, bem como as caminhadas. Faço o mesmo nas festas, tanta coisa para comer e eu me perco com a abundância e quase não como. No dia seguinte lembro-me das coisas que podia ter aproveitado.
Parece que quero prolongar o tempo da minha existência em Jampaias, assim haverá sempre tempo para tudo desfrutar. Doce melodia a deste tempo que se arrasta e deixa o nosso corpo colado ao descanso.
Amanhã é o meu último dia em Jampaias. Vou preparar o jantar, ouvir mais uma palestra, sentar, e depois dormir.
24 de Julho de 2009 - 7º dia em Jampaias
Adormeci novamente com os auscultadores. A voz de Ajahn acompanhou-me a noite toda. Há muitos anos atrás vendiam cursos de inglês para aprendermos enquanto dormíamos. O dharma não se aprende assim, mas parece-me que tenho aprendido inglês!
Tive sempre problemas com a aprendizagem do inglês, mas a vontade de entender o que diz Ajahn Brahm fez-me vencer essa dificuldade. Ajahn Brahm foi meu grande companheiro de retiro.
Na despedida de Jampaias leio o último capítulo do livro : O desenvolvimento da Sabedoria. Apliquei-me nestes dias no desenvolvimento da prática da concentração. Parece-me cada vez mais claro que estou no inicio.
É assim que o livro acaba: “Ainda que o auge da realização esteja distante, tudo o que é preciso para lá chegar está ao alcance dos nossos pés”.
Foi com a ameaça do fim do mundo que me refugiei em Jampaias e saboreei cada segundo da minha existência.
Antes de regressar ainda consegui falar com o Sagara, meu querido amigo. Queria partilhar com ele estes dias felizes.
Como bem diz o Tomás:
“-Tens um Mestre mesmo ao pé de ti. Não percas tempo em procurá-lo noutro lado”.
Amanhã regresso. Espero que o mundo se atrase nessa vontade de se acabar, pois estou como o Caeiro quando escreve:
“Eu queria ter o tempo e o sossego suficientes
Para não pensar em cousa nenhuma,
Para nem me sentir viver,
Para só saber de mim nos olhos dos outros, reflectido”.
Que haja amanhã!
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