20/06/2006



Faz de conta que a verdade não é senão a verdade – sem tempo.
Faz de conta que o desejo não é senão o desejo – sem dor.
Faz de conta que o principio se confude com o fim – no vazio.
Faz de conta




Levantou o braço em comunhão com o queixo que parecia querer chegar ao céu, num sinal claro de sabedoria. Lentamente mastigou a palavra como se mascasse uma pastilha elástica. E foi assim seguro do seu sentir que finalmente declarou:
- Os teus textos… são textos minha querida Florbela
O silêncio ganhou a medida do tempo onde a verdade não é senão a verdade.
Florbela olhou para Amadeu, fez dele um espelho. Arrebitou o queixo.. No meio de uma gargalhada proibida por fim arrotou a palavra:
- Os meus quadros… são quadros meu amor. Os meus beijos são beijos.
Amadeu lembra do beijo. Tão beijo como nenhum outro beijo onde o tempo se esqueceu do tempo. Amadeu quer a casa organizada. Foge do discurso alucinado de Florbela.
- Não tens história. Nada começa, nada acaba. Algumas frases bonitas… O contexto do texto? Onde está?
- Quando nasceste foi este o começo? Hoje é o entretanto – o meio? Quando morreres é o fim?
- Não tem nada a ver…
- Onde começa o desenho? Olhas para ele de cima para baixo? Da esquerda para a direita? Eu começo pelo fim dos livros. Leio o jornal as avessas.
Amadeu encolhe os ombros. E as histórias do Eça. E o ensandecido do KafKa? Será que Florbela nunca leu “era uma vez”? Será que nunca ouviu “e acabaram felizes para sempre”?
Florbela abre a boca, ameaça de novo a palavra que se esgota no espaço de um beijo sem inicio, sem meio nem fim na boca de Amadeu.
Faz de conta que a verdade não é senão a verdade – sem tempo. Faz de conta que o desejo não é senão o desejo – sem dor. Faz de conta que o principio se confude com o fim – no vazio.
Faz de conta

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